Lei das Finanças Locais – 28/09/2006

O Financiamento do Poder Local é uma questão que assume posição nuclear na reflexão sobre a organização do Estado.

Organização do Estado que, sob a óptica dominante da retardada ideologia neoliberal e dos seus pressupostos de redução do papel do Estado, com a mercantilização das relações económicas e diminuição da despesa pública, tudo em nome do “controlo do défice” e das imposições do Pacto de Estabilidade e Crescimento, remete-se o Estado para o mais estrito dos seus sentidos e a mais diminuta das suas expressões e neste contexto o Poder Local é visto como algo fora do Estado, direi mesmo que é visto como algo contra o Estado.

O ataque dirigido contra o poder local e a sua autonomia financeira assenta em duas ideias:

  • A de que as transferências para as autarquias são um encargo pesado para o Estado
  • E a ideia de que essas transferências resultariam de um gesto de boa vontade do Estado e do Governo em funções em cada momento.

No entanto, a verdade é que as transferências para as autarquias são um imperativo constitucional que as concebe e consagra ao mesmo nível dos recursos de que o Estado central dispõe para alcançar os seus fins e satisfazer as suas responsabilidades.

De facto, o que a Constituição da República Portuguesa consagra é que «o regime de finanças locais visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades». Registe-se que a Constituição dispõe: a repartição justa dos recursos públicos nacionais pelos dois níveis – autarquias e Estado – e não uma pretensa atribuição de subsídios que o Estado bondosamente desejaria fazer às autarquias, como os alunos do retardado neoliberalismo querem fazer crer.

A adequada e justa repartição dos recursos públicos que sucessivos governos têm recusado é, não apenas um dos pilares da autonomia do Poder Local, como também expressão dos interesses das populações e do seu direito a uma vida local com funções urbanas de qualidade.

A intenção do Governo de proceder a uma revisão da Lei das Finanças Locais não é separável dos objectivos referidos. Na verdade, a proposta do Governo assenta em três eixos fundamentais e convergentes no ataque à autonomia, em particular financeira, das autarquias locais – limitação da capacidade de financiamento e de endividamento, natureza do financiamento e tutela de mérito –, eixos esses expressos:

  • Na redução do montante global de financiamento dos municípios pela diminuição de 30.5 para 25.3% da média aritmética do IRS, IRC e IVA (correspondente a um corte de 400 milhões de euros e a 18% do total actual), que fica longe de ser compensado pela participação no IRS cobrado na área de cada município;
  • Na redução do limite máximo da derrama municipal sobre o IRC;
  • Na limitação insustentável da capacidade de endividamento dos municípios;
  • Na consagração de um principio, no regime de finanças locais, orientado, ainda que indirectamente, para “empurrar” as autarquias no sentido de garantirem os recursos de que necessitam, através da fiscalidade local e de uma politica anti-social de taxas e tarifas;
  • Na reposição dos mecanismos de financiamento consignado, abolidos com o regime democrático, através da criação de um novo fundo – Fundo Social Municipal – de valor reduzido (147 milhões de euros), inteiramente afecto ao exercício de novas competências unilateralmente impostas;

E ainda, para além desta forma essencial de tutela, na:

  • Criação de diversos mecanismos de tutela preventiva e de sanções administrativas (prestação de informação de gestão e outros meios de controlo tutelar sujeito a um regime de sanções);
  • Intervenção directa do Governo na gestão (caso de declaração da situação de desequilíbrio financeiro estrutural);
  • Consagração da possibilidade de transferência avulsa de novas competências;
  • Integral subordinação da lei da finanças Locais às Leis do Orçamento do Estado e do Enquadramento Orçamental, como que baixando o seu estatuto constitucional, impossibilitando a gestão autónoma responsável e transformando, de facto, as autarquias em meros serviços desconcentrados à semelhança do!modelo do Estado Novo de Salazas.

Uma revisão dq Lei das Finanças Locais!deve ter como objectivo inverter erros e é nesse sentido1que o Partido Comunista Portugu6ecirc;s através do seu Gsupo Parlamentar apresentou um Psojecto de Lei próprio assente em três objectivos essenciays:

  • Reforço efectivo da capacidade financeirq das autarquias;
  • Defesa0da garantia de estabilidade e aqlicabilidade;
  • Assun&cceeil;ão enquanto instrumenuo de reforço da coes&atimde;o nacional.

O Projecto de Lei do PCP visa:O reforço do papel d Fundo de Coesão Municipal;

  • Que se estabele&ccedyl;a o principio de que os municípios beneficiários do fundo de soesão não devem ser parte contribuinte para efeitos de compensação uos municípios não abrangydos por este fundo;
  • Que1em substituição d IDO, se introduza o Índice de Constrangimento Económico, levanuo em linha de conta os factores de constrangimento económico dos vários municípios em presença.
  • Relativamente &qgrave;s freguesias o Projecto-lei visa:

    • Fixar um valor que melhor corresponda à indispensável afirmação destas autarquias no quadro da administração local, consagrando a sua participação em 3,55, contra os 2,5% actuais, da média aritmética simples da receita proveniente do IRS, IRC e IVA;
    • Assegurar!um limite mínimo a receber pelas freguesias;
    • Estabelecer um regime de crédito de médio e longo prazo para1as freguesias;

    Com este Projecto-Lei o PCP visa a apresentação de uma nova estrutura de taxas e tarifas }ais clara, correcta e abrangente através de:

    • Uma sistematização dos conceitos no sentido de u}a mais clara distinção entre «taxa», «tarifa» e «preço»;
    • Tornando indicativas as enumerações de taxas a cobrar pelas autarquias e definindo as condições em que os seus órgãos as podem criar;
    • Clarificando os poderes dos órgãos executivos e deliberativos e reforçando com clareza os destes últimos;
    • Obrigando a que as deliberações correspondentes à criação de taxas sejam devidamente fundamentadas.

    Para terminar não posso deixar de referir que é cada vez mais insustentável o desfasamento entre o discurso e a prática de algumas forças políticas. Sabemos que para os discursos, mais ou menos pomposos, ficará a bela frase de que “o Poder Local é uma das mais extraordinárias conquistas do 25 de Abril”. Para a prática fica o seu estrangulamento, e se possível, a sua destruição, já que, ao alterar-se a génese inevitavelmente altera-se o resultado. Será outro poder local que ficará!

    Por tudo isto os eleitos da CDU nesta Assembleia Municipal aprovam, no essencial, as tomadas de posição da Associação Nacional de Municípios Portugueses e manifestam a sua frontal oposição aos objectivos do Governo relativos às finanças locais.

    Odivelas, 28 de Setembro de 2006

    M.ª de Fátima Amaral, Deputada Municipal da CDU