Apresentamos hoje à cidade a candidatura da CDU à Presidência da Câmara Municipal de Lisboa.
Fazemo-lo conscientes da dimensão da tarefa que temos pela frente; seguros dos obstáculos que se atravessarão no caminho; determinados a enfrentar e a vencer todas as dificuldades; confiantes no caminho a trilhar e com muita vontade de o fazer.
Aqui estamos, com a confiança e a serenidade de quem parte para uma batalha conhecendo, como ninguém, o chão que pisa: o da luta quotidiana pela transformação da vida; uma luta feita rua a rua, bairro a bairro, nas praças e jardins, nos locais de trabalho – uma luta exigente mas entusiasmante, pela construção da cidade justa, bela e democrática.
Temos para nós duas certezas: a primeira, a de que esta cidade é possível e será feita realidade; a segunda certeza é a de que nos últimos anos não se caminhou no sentido da sua construção.
Com a viragem do século, iniciou-se em Lisboa um ciclo de alternância entre PSD-CDS e PS. Já lá vão 16 anos.
Nas próximas eleições autárquicas, o que se decide é se prolongamos este ciclo ou se, pelo contrário, afirmamos corajosamente um outro rumo para Lisboa.
Vejamos, antes de mais, o que significaria prolongar este ciclo.
Nos anos que passaram, o desenvolvimento da cidade foi deixado nas mãos do promotor imobiliário, à mercê do especulador e de interesses privados.
A cidade foi transformada em produto de consumo. Por um lado, o consumo restrito do luxo, dos condomínios privados, dos hotéis de charme, das lojas e eventos selectos de grandes marcas. Por outro lado, o consumo turístico de massas de uma cidade progressivamente despida da matriz identitária que a tornou apetecível e desejada.
A identidade de Lisboa não resulta apenas da presença física de um conjunto de edifícios. Nem sequer da sua luz inigualável. São as actividades humanas – nas suas variadas expressões: trabalho, relações sociais e afectivas, cultura e memória – (é isto) o que dá densidade a Lisboa. E foi por isto que Lisboa empobreceu. Porque perdeu gente, que foi empurrada para fora da cidade. E, com ela, perdeu também um pouco de tudo isto.
Em nome de uma certa “reabilitação urbana”, Lisboa sofreu grandes transformações nos últimos anos.
A reabilitação urbana, como qualquer processo politicamente conduzido, não é neutra do ponto de vista dos interesses que serve e das suas consequências sociais.
A reabilitação promovida pelo PS não significou, com podia e devia, uma melhoria das condições de habitação e de acesso à habitação. Pelo contrário. No ano passado, o centro e centro histórico contavam com 4850 edifícios considerados em mau ou péssimo estado de conservação.
O que se fez foi expulsar população residente. Um processo que se iniciou nas zonas históricas e centrais da cidade mas que não ficou por aqui.
Promoveu-se a elitização crescente de algumas destas zonas, enquanto que outras, sem gente, se transformaram em meros locais de peregrinação turística.
Aumentou a segregação social. Lisboa, não ficou apenas mais pobre. Ficou mais injusta.
Os preços da habitação e do arrendamento dispararam, tornando-se proibitivos para grande parte da população.
A Câmara de Lisboa não se limitou a assistir, de forma complacente, aos efeitos devastadores da Lei das Rendas do governo PSD-CDS. Uma lei da responsabilidade da então ministra, hoje candidata, Assunção Cristas. Em nenhuma outra cidade deste país ficou tão patente, como em Lisboa, a natureza desumana desta lei. O seu efeito disruptivo sobre o tecido social e económico urbano.
A Câmara Municipal de Lisboa foi também agente activo destes processos. O vasto e disperso património imobiliário municipal, em lugar de ser usado a favor de políticas de habitação acessível, exercendo um papel regulador do mercado, foi alienado em condições tais que alimentaram a especulação e a subida dos preços da habitação.
Esta “reabilitação” teve também, está a ter, efeitos desastrosos sobre a base económica da cidade, e muito particularmente sobre o comércio tradicional.
As opções de licenciamento urbanístico da gestão PS agravaram os efeitos nefastos da Lei das Rendas. Na verdade, esta é uma das dimensões da acção da Câmara em que é mais notória a forma como os interesses particulares se sobrepõem ao interesse colectivo mais geral e ao interesse público.
E não se trata apenas de “deixar o mercado funcionar”, como tem sido defendido várias vezes pela maioria PS. Só isso já seria errado. Mas há também uma intencional política de favor. Os exemplos são em demasia. Veja-se o caso do Hospital da Luz, cuja empresa proprietária teve direito não apenas a um plano de pormenor desenhado à medida dos seus interesses, mas também à disponibilização do terreno de que necessitava para expandir as suas instalações. Mesmo que para isso tenha sido necessário demolir o mais moderno (e caro) quartel de bombeiros da cidade e o Museu dos Bombeiros.
Recordo que esta é a mesma gestão municipal que quer varrer do mapa da cidade pelo menos três hospitais públicos ainda em funcionamento – São José, Santa Marta e Capuchos. É isso que prevê o Plano de Acção Territorial aprovado pelo PS para a Colina de Santana. Vorazes apetites imobiliários se concentram sobre a área de implantação destes hospitais e a Câmara já mostrou ser generosa com este tipo de interesses.
Esta é uma marca inapagável dos dez anos de gestão PS em Lisboa: o solo da cidade tem sido uma fonte de negócios e de rendas para alguns, poucos, quando podia e devia ser uma fonte de riqueza e de usufruto em benefício de todos.
Uma marca de classe, que é visível também na forma como as camadas mais desfavorecidas da população são preteridas nas prioridades e opções da gestão municipal.
Veja-se a situação dos bairros municipais e as muitas situações atentatórias da dignidade dos moradores que ainda persistem. Bairros degradados, sem equipamentos, sem limpeza, sem transportes. Prédios com graves problemas estruturais e de salubridade. Morosidade e incapacidade de resposta da empresa municipal responsável pela gestão destes bairros – que, entre outras coisas, não foi preparada para intervir sobre as consequências do agravamento da crise social.
Só num ano, a Câmara Municipal de Lisboa arrecadou de taxa turística mais de metade do valor que espera gastar, em todo o mandato, com intervenções no conjunto dos mais de setenta bairros municipais da cidade.
São evidentemente outras as prioridades da gestão PS. As receitas da taxa turística vão alimentar um Fundo gerido por uma entidade privada, tendo em conta, naturalmente, o elementar critério de qualquer gestão privada: a defesa do interesse próprio.
Será nessa óptica, a do interesse privado, que será também gerido património emblemático da cidade, como o Capitólio, agora recuperado, o Pavilhão Carlos Lopes, os torreões do Terreiro do Paço, extensas zonas da frente ribeirinha. Ou os terrenos e equipamentos que em Monsanto foram também entregues à gestão privada.
A apropriação privada da cidade acentua as desigualdades na sua fruição e põe em causa direitos: o direito à habitação, ao emprego, à mobilidade, à cultura e ao lazer. Em última instância, estas opções põem em causa o próprio direito à cidade – à sua fruição por inteiro e sem exclusões.
De tudo isto é feito o balanço de uma década de gestão PS na Câmara Municipal de Lisboa.
Foram anos de degradação nunca vista do transporte público. O Metro e a Carris chegaram a uma situação deplorável, com a total complacência da Câmara, que nada fez (mesmo quando tinha assento no Conselho de Administração destas empresas) perante o aumento brutal dos preços dos passes e bilhetes; perante a supressão de carreiras da Carris, o encurtamento de percursos, o corte de serviço, especialmente à noite e fins-de-semana; perante o desinvestimento no Metro, com a redução de carruagens, a redução da frequência e da velocidade das composições.
Em todos estes anos, a gestão PS mais não fez do que justificar a sua passividade com a defesa de uma mirífica municipalização, que viria e resolveria tudo.
A derrota da intenção do governo PSD-CDS de privatização destas empresas (mesmo quando esta parecia certa) devemo-la à luta dos trabalhadores e da população. Ela aí está a servir de lição e a mostrar que não há impossíveis!
Veio a municipalização da Carris e Fernando Medina, numa fortuita confissão, de pronto afirmou que não espera resolver os problemas existentes no prazo de uma década. Para já, recusou a proposta do PCP de reverter, para a generalidade dos utentes, os aumentos dos preços dos passes e bilhetes feitos pelo anterior governo.
Uma postura que acentua as dúvidas sobre a capacidade financeira da Câmara Municipal de Lisboa para suportar a Carris e que só vem reforçar a convicção dos limites da solução da municipalização.
Uma solução que não facilita uma resposta integrada, à escala metropolitana, às necessidades de mobilidade das populações.
Uma solução perversa, que prevê financiar a Carris a partir das receitas do estacionamento. Ou seja, quantos mais carros entrarem em Lisboa, mais receitas. Quanto menos carros entrarem na cidade – o que deve ser o objectivo de qualquer política de mobilidade sustentável – menos dinheiro para financiar o transporte público. Um irremediável conflito de interesses. Que não contribuirá para resolver os problemas do trânsito e do estacionamento, que se vêm agravando por toda cidade.
Uma palavra ainda para a opção do PS de desmembramento e esvaziamento de serviços municipais essenciais e o desinvestimento noutros – da higiene urbana aos espaços verdes, passando pelo saneamento, pela cultura, pelo desporto, entre outros. Piorou a qualidade dos serviços, destruiu emprego público, deixando mais precária a situação dos trabalhadores.
Já os custos, esses aumentaram, tanto para a Câmara Municipal como para as Juntas de Freguesia – veja-se o caso dos contratos de milhões com privados para a gestão dos espaços verdes.
O património e os serviços municipais são geridos sem a devida planificação, de forma dissociada de uma visão estratégica de cidade. Sem envolver devidamente os trabalhadores, quantas vezes desvalorizando-os e desmotivando-os, e sem atender à especificidade de determinados serviços – veja-se o caso da protecção civil, um serviço essencial para assegurar o bem-estar e a segurança de pessoas e bens e que tem sido sujeito a uma enorme instabilidade.
Perduram os efeitos de uma reforma administrativa que se confirmou como um sério retrocesso para o exercício do poder local na cidade e um elemento de empobrecimento democrático.
Estimados amigos,
Caros camaradas,
Este é o tempo de afirmarmos um outro rumo para Lisboa.
Este é também o tempo de juntar forças pela sua concretização.
Como na História do Cerco de Lisboa, de Saramago, há um audacioso “não” que podemos meter numa história que alguns julgam antecipadamente escrita. Um “não” que pode ser o início de uma outra história. Não: Lisboa não está condenada à alternância PS/PSD-CDS nem os lisboetas se têm de resignar a esse cenário.
A CDU é a força capaz de marcar a diferença na governação da cidade. E é-o porque a CDU é a força portadora de um projecto diferente e alternativo para a cidade.
Um projecto que assume por inteiro o rico e vasto património de intervenção autárquica da CDU.
Um património reconhecido pelas populações da Área Metropolitana de Lisboa, onde a CDU é hoje e desde há vários anos a primeira força no plano autárquico.
Esta é razão bastante para afirmarmos, como afirmámos no anúncio desta candidatura, que nos apresentamos nestas eleições prontos a disputar e a assumir todas as responsabilidades, incluindo naturalmente a Presidência da Câmara Municipal.
Se a CDU marca a diferença pela forma como exerce o poder autárquico, será de elementar justiça que se reconheça que nos últimos anos, em Lisboa, marcámos a diferença também pela forma como fomos oposição. Uma oposição crítica, atenta, exigente e construtiva. Que aliou a denúncia à proposta; a análise crítica à procura de soluções.
No que foi bem feito em Lisboa está a iniciativa ou o apoio da CDU.
Foi assim ainda recentemente com a proposta, aprovada por unanimidade pela Câmara, para o estudo e construção de parques de estacionamento dissuasores nos limites da cidade. Parques que devem ser gratuitos para os utilizadores de um título válido de transporte público. Um incentivo prático à substituição do transporte individual pelo transporte público – que obviamente não dispensa, antes exige, uma substancial melhoria da qualidade da oferta do transporte público e uma substancial redução do seu preço. Uma medida essencial para diminuir a pressão do automóvel sobre o espaço público e a qualidade ambiental da cidade.
Foi assim também com a aprovação de uma proposta que abriu caminho à elaboração de um Plano de Revitalização da rede de mercados da cidade, que assegure a sua modernização e uma melhor adequação às necessidades e expectativas das famílias e, em geral, de todos os que vivem ou trabalham em Lisboa.
Foi assim com o apoio e voto favorável a projectos de qualificação do espaço público, de melhoria das condições de circulação dos peões e, em especial, das pessoas com mobilidade reduzida.
Foi assim com tantas outras propostas que aguardam ainda a devida concretização.
É por tudo isto que afirmamos que ao erguer os alicerces de uma futura governação da cidade, o fazemos sobre o terreno firme, seguro e confiável do trabalho realizado ao longo dos anos.
Camaradas e amigos,
São alicerces desta cidade em construção:
– A prevalência do interesse público sobre interesses privados;
– Um planeamento urbanístico democrático e transparente;
– Uma firme orientação no sentido de atenuar e eliminar as exclusões e desigualdades existentes na fruição dos benefícios da vida na cidade;
– Uma política de reabilitação urbana que sobreponha o valor de uso ao valor de troca; que responda de modo particular aos problemas dos bairros históricos e dos bairros municipais; que valorize o direito à habitação e um planeamento de proximidade; uma concepção ampla e abrangente de reabilitação que não se centre exclusivamente no edificado;
– Uma política de habitação que ajude a atrair população residente e estancar e a inverter a saída de gente da cidade. Encarando o património municipal como uma reserva estratégica que deve ser posta ao serviço desta política. Uma reserva que deve ser preservada e recuperada, e não delapidada como vem acontecendo com a actual maioria;
– A recuperação da vocação produtiva da cidade, devolvendo-lhe a vida para além do turismo; estimulando a diversificação da base económica da cidade, com particular atenção às PME e ao comércio tradicional; estimulando a criação de emprego, na esfera produtiva, nos serviços, na ciência e tecnologia, na investigação e desenvolvimento, na cultura e nas artes; reconhecendo a centralidade do trabalho na realidade urbana;
– Uma aposta na qualidade e na acessibilidade do transporte público, cobrindo toda a extensão da cidade com uma visão integrada dos diferentes modos de transporte à escala metropolitana; a aposta na intermodalidade, na expansão das redes de cobertura e interfaces, promovendo uma bilhética única, social e integrada com os diversos modos de transporte e seu parqueamento. A reversão da degradação da qualidade do serviço prestado pela Carris. A expansão do Metro à zona ocidental da cidade, em alternativa à densificação da rede na zona central – uma opção mais cara e menos útil;
– A promoção de serviços públicos de qualidade e diversificados, encarados como elementos centrais para o bem-estar e a qualidade de vida na cidade. Serviços de higiene e limpeza, sociais, culturais, de ensino, de lazer, de saúde, de ambiente, de segurança e de protecção civil, entre outros, privilegiando uma lógica de proximidade;
– Uma política cultural que se estenda a toda a cidade, sem exclusões, e que não se resuma a um calendário de eventos; que combata amiguismos e envolva de forma ampla e transparente os agentes culturais; que promova a democratização da criação e da fruição culturais;
– Uma política desportiva que estimule e democratize a prática do desporto na cidade, dando força ao desporto popular e ao movimento associativo desportivo.
(e, finalmente, mas podia ser o primeiro…)
– Uma opção decidida pela defesa, motivação, valorização e estímulo dos trabalhadores do município; a defesa do emprego público, a garantia de direitos e o combate à precariedade dos vínculos; a garantia, sobretudo, de que o seu esforço e as suas capacidades são imprescindíveis ao projecto da CDU para Lisboa.
Caros amigos e camaradas,
Estes são alicerces de um projecto de transformação da cidade. Um projecto que convoca todos os que nele se revejam, independentemente das opções eleitorais que fizeram no passado. A todos esses nos dirigimos nesta ocasião. Assumam esta candidatura como vossa – parte das vossas aspirações, projectos e lutas.
Este é um projecto aberto e em construção, que saberá acolher os mais diversos contributos e que com eles certamente se irá enriquecer.
Sabemos que, em última instância, o direito à cidade que aqui reivindicamos exige profundas transformações.
Transformações que não serão fruto de nenhum projecto acabado e pronto a servir, mas sim da força, da mobilização, da intervenção e da energia criadora do povo.
Vamos a isso! Mãos à obra!